sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

RETROSPECTIVA BARUDIANISTA

Pensei muitas vezes se deveria escrever essa retrospectiva do ano de 2011. Não que ele não mereça, mas o excesso de “eventos” marcantes me fez ter medo de esquecer coisas e pessoas importantes. Eduardo Galeano diz que "A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo." Eu não acredito nisso. A memória vai perder coisas importantes, não porque não foram importantes, mas porque o novo tem um sabor inenarrável. É sempre a possibilidade do desconhecido que abre perspectivas para um futuro e permite ao passado se ausentar, ainda que temporariamente. A memória perde sim o que merece ser salvo, e muitas vezes exatamente por isso. Nenhuma lembrança é isenta de sentimento, e às vezes, esquecer é se refazer para uma próxima lembrança mais doce.

Não é um objetivo fazer dessa retrospectiva uma “memória justa” como deseja Ricoeur. Muito pelo contrário, ela será injusta em vários aspectos. Com certeza me esquecerei de pessoas incríveis, não porque não vivemos momentos importantes, mas simplesmente porque os sentimentos vão além do que pode ser lembrado. Uma vez escrevi para uma amiga que “Talvez eu te ame para sempre. Talvez não. Mas hoje eu lhe afirmo que isso é extremamente verdadeiro.” Acredito nisso. Deixar de lembrar não quer dizer que não tenha sido verdadeiro no momento em que foi vivido. Às vezes acontece o que Rubem Alves constata: “infinitamente belo, insuportavelmente efêmero”. Cabe a nós dar sentido a efemeridade da vida e reagir com leveza às rupturas e esquecimentos que aparecem.

Olhando com distância, tenho a sensação que 2011 começou muito triste, muito angustiante. Talvez motivada pelo presente, eu acredito que ele termina muito melhor, infinitamente melhor. A questão do mestrado havia me deixado muito desestabilizada e ainda que coisas legais estivessem acontecendo, nada servia de consolo. A questão era minha, como sempre acredito que é. No meu diário tem uma frase ótima que refletia esse período: “nem tão feliz quanto imaginei, nem tão desgraçada como poderia ser”. Analisando hoje, eu diria que era um exagero da minha parte. Era muito mais doce do que eu poderia dimensionar naquele momento.Confesso que os programas ao lado da Rayanne Abranches, Lucas Souto, Rafaella Reinhardt, Deivison Amaral e Priscila Veronique amaciaram minha dureza. Foram Tardes Tortas, bares sem fim, Praia da Estação, Belas Artes e um calor infernal dos dias de janeiro. Apesar disso, era uma crise constante, que eu me irritava fácil e não sabia como reagir ao pensar no futuro.

Comecei a trabalhar na “Casa do Caminho” e me fez muito bem! Passei a pensar duas vezes antes de fazer qualquer reclamação da vida. Acho que foi um dos principais motivos pelo qual meu ano ficou muito mais bonito. Aproveito para agradecer a todos que ajudaram na Festa de Natal, terminado o evento, só ficou a alegria e um sentimento profundo de gratidão a todos que contribuíram para aliviar a dura realidade dos meninos.

Ainda em fevereiro, fui chamada para o mestrado e a vida foi só alegria. Passei pelo menos dois meses em lua de mel com a existência. Fui para a praia com meus pais e o mundo só podia ser bonito. Às vezes acho clichê falar do amor materno, mas minha mãe é realmente um ser evoluído. Consigo passar dias com ela e continuo achando-a a coisa mais linda do mundo. Ainda na sessão familiar, preciso falar da viagem para Cabo Frio, com minha irmã Priscila e meu cunhado Cláudio. É sempre bom o tempo que passo com eles...ser vela nem é um peso! Já aguardo a nossa próxima viagem, sugiro Recife! rsrs

Foi também um ano de encontros, como sempre acredito que é. Desconfio que esse ano tenha sido no atacado. Em muito pouco tempo conheci pessoas muito especiais com quem vivi coisas indescritíveis. Com Juliana Ventura pude comprovar que não se tem uma amiga psicóloga ilesa. Tenha certeza que ela vai dizer coisas difíceis. Com ela tive a trágica constatação de uma primeira experiência de amor no meio da Paulista. Não bastava ser um mês frio como julho eu ainda tive que me haver com essas questões, num diálogo quase teatral.

Juju: Barudinha, a gente só diz essas coisas quando está apaixonada. Você está vivendo sua primeira experiência de amor, flor!
Barud: (Barudinha só chora, e muito).
Juju: Pode chorar amora, nessa cidade cão que é São Paulo, ninguem te percebe. Pode chorar...estou com você.


E foi exatamente isso que fiz. Chorei. Chorei. Narrei. Segundo Juju, temos que narrar os eventos traumáticos. Eu narro para esquecer. Eu narro para amar de novo. E às vezes, até para socializar. Teve choro coletivo no Sapão Taioba junto com Ana Marília, Gabriel, Natiele e Juju. Lindo, lindo e trágico. Mas o que se pode esperar de uma noite que termina em um bar chamado “Abutres”? rs

Ainda falando dos amigos recentes não posso deixar de citar as peripécias da ANPUH, com Gabriel Da Costa Ávila e Diego. Com o Diego eu mais briguei e talvez seja a única pessoa do mundo com quem eu consigo perder toda a minha delicadeza. É uma brincadeira Diego, te conhecer esse ano me deixou alguns desejos: o de ser mãe (que fica mais forte ao te ver falar do Emílio), de ir mais ao Maleta e de continuar tendo com quem extravazar minha ira. rsrs. Apesar das brigas com Diego, tive excelentes momentos com Gab: “É noís na Ipiranga com São João, Barudinha”! E era noís em toda São Paulo! Barudinha fazendo vômito, bebendo,ficando feliz de encontrar com Dênio Sarôa e Débora Viveiros, chorando, não dormindo e Gabriel mandando a Senhora Odebrecht tomar no cú. Cenas incriveis! Só perderam para a beleza do Rio ao lado de Ju e Ana. “As luzes da cidade” só me deram alegria! Caminhar pelo Botafofo com Ana foi um momento lindo! Muito mais leve e muito doce! Ver o primo Henrique foi outro evento que me deixou feliz! Ainda das pessoas especiais que conheci esse ano não posso esquecer do Valmir Santos, Jonathan Tadeu, Francismary Alves (achei alguem que acorda no mesmo horário que eu, pensei até em casar com você), Natielle Rosa, Rodrigo Pezzonia, Katy Magalhaes, Fábio,Adriano Toledo, Dayse Lucide, Miliandre Garcia (que me enviou um presente por e-mail e sempre foi muito cuidadosa com minhas dúvidas) , Nyvea Karam meu novo pai Marco Antônio Silveira.

Dos amigos que seguem comigo, além dos já citados, posso acrescentar minha segunda família Figueroa, Paulo Junior, Melina Figueroa e minha madrinha Michelle Figueroa. Minhas amigas de infância Tassiana Leal e Jacqueline Gomes, que mesmo com o passar dos anos continuamos sustentando nosso afeto. A família Pigmalião, com Adriana Souza, e Luiz Bittencourt, Paul e Corninho. Minha querida amiga Rose Campos, com quem compartilhei deliciosos vinhos, ao fiote Alex Alex Jason que me levava de ressaca para a UFMG nas segundas de manhã. Fabiano Fabiano Persi, com quem encontrei muito menos do que gostaria. Camila Martins, por sua maturidade recente, Sânia Barcelos por nosso reencontro, e todos os amigos Débora, Carlão, Verônica Martins, Reginaldo Martins, Rege Marques e a prima Maria Isabel.

Foram muitas as leituras que deixaram meu ano mais belo e mais angustiante. Obviamente não vou citar todas, apenas as que ajudaram a sustentar aquilo que sou. A “Insustentável Leveza do Ser” do Kundera e é belíssimo. Conhecer Praga com Ana Marília virou um sonho eterno. Teve Calvino com seus “Amores Difíceis” , Sartre, Thomson, Dias Gomes, Tolstói, Darcy Ribeiro, Guarniere, Ricoeur, Antônio Callado e por muitos outros. Não sem dúvidas eu penso ser “O museu da inocência” o meu livro do ano. No meio de reflexões sobre a memória e o esquecimento esse livro se torna eterno. "Esses raros e "felizes" interlúdios do esquecimento eram muito breves - um ou dois segundos" -, e em seguida o lampião negro tornava a acender, espalhando sua escuridão funesta por meu estômago, minhas narinas, meus pulmões, até um quase sufocar, até o simples fato de estar vivo transformar-se num tormento."Deixo aqui os meus agradecimentos aos amigos com quem compartilhei um pouco dessa linda obra: Gustavo Primo, Beatriz França, Ana Leví, Dênio Saroa.

No campo acadêmico não posso deixar de citar as aulas da Miriam Hermeto, Juniele, Marcos Napolitano e Rodrigo Czajka. Essas pessoas demonstram todo o seu respeito pelo conhecimento ao fazer da academia um lugar de debate e não de exaltação do próprio ego. É uma pena que pouquíssimos professores universitários façam o mesmo.

Esse ano teve duas temporadas do Galpão e nem preciso dizer que sempre é uma alegria para mim! Revejo pessoas especiais e conheço pessoas belíssimas! Agradeço aos meus companheiros de viagem Beatriz Radicchi (com quem eu queria ter sido mais presente esse ano), Evandro Villela (lindissímo), Eberton, Helvecio Alves Izabel, Vinicius Alves, João Santos, Ana Alyce Ly, Ana Ana Amélia Almada Arantes, Cláudinha, etc. Como é mesmo que João me apresenta? “Essa é a Nat. A esporádica mais permanente...”rsrs. Estou me acostumando com essa titulação... Nessas temporadas conheci duas pessoas especiais...uma delas é Beatriz França, com quem compartilho de uma dor parecida. E William Gomes que me encantou com seu generoso coração. Não posso esquecer é claro, dos atores, que sempre deixam mais alegres os intervalos do espetáculo.

Enfim, acredito ser sido um ano muito bonito, que chegou trazendo pessoas que alegraram minha vida! E quando eu pensava em 2011 como passado, me aparece uma linda viagem para Paraty, com Rafaella Reinhardt. Era tudo que eu precisava para terminar o ano bem. Realmente é verdade que a vida é muito boa e que choramos é de safadeza! Mesmo passando o efeito da degustação de cachaça eu continuo pensando que vale a pena ser otimista e acreditar que podemos ser mais leves. Mudanças são sempre bem vindas, né Rafaella Reinhardt?

É isso! Desejo que esse ano seja mais tranquilo. Que sejamos mais fácies na convivência, menos difíceis nas relações e que o Ìtalo Calvino se engane de vez em quando. É somente isso que eu desejo... que seja doce.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A MOÇA DE BIQUÍNI AZUL

Eram duas da tarde quando a moça de biquíni azul se colocou a chorar desesperadamente. Parecia que ela segurava o choro desde cedo, pois logo que foi deixada pelo casal que lhe acompanhava ela caiu em prantos. Fez algumas ligações e chorava ainda mais. Em alguns momentos dava risadas soltas em meio ao choro, como quem sabe que o sofrimento é sempre passageiro. Quis me aproximar várias vezes, mas tive medo da sua reação. Por vários minutos a olhei intensamente como se pudesse ler em suas lágrimas os motivos que lhe afligiam. A principio pensei que fosse a morte de em ente querido, devido ao seu desespero. Ou ela podia ter acabado de perder seu emprego e estava desesperada em como pagaria suas contas. Pensei que poderia ser também o fim de algum relacionamento, mulheres nessa idade costumam chorar por essas coisas. Por algum motivo pressenti que não era por isso...talvez porque esse fosse o meu desejo. Ela tinha um livro nas mãos, no qual lia e aumentava o fluxo de suas lágrimas. Fiquei curioso para ver a capa, mas ela o segurava em seu colo e impedia que ele subisse ao alcance de meus olhos. Depois de quase uma hora consecutiva de pranto eu comecei a ter pena de todo esse sofrimento e tomei coragem de me aproximar. Eu comecei dizendo que tinha uma filha da sua idade e que era muito natural ela ter essa mesma atitude. Confesso ser uma grande mentira, já que minha filha estava sempre muito bem, mas achei que assim era um bom meio para que ela pudesse me escutar. Perguntei o motivo do seu choro e ela mentiu, obviamente.
- Não é por nada. Às vezes fico melancólica, mas nunca tenho um motivo concreto. Pode ficar tranquilo, estou bem.
Depois disso virou um copo de cheio de caipirinha e voltou para o seu mundo, deixando bem claro que eu não era bem vindo. Fiquei pensando que bebida em excesso, solidão e mar podem se tornar um coquetel depressivo perigoso. Por mais que eu tentasse, ela se mostrava indiferente a qualquer contato, demonstrando muito mais interesse em seu livro, seu choro e sua bebida. Tomei coragem e disse:
- Olha, não sei por que motivo você está chorando, mas queria dizer que você é muito bonita para ficar desse jeito. Você tem juventude e o mundo cheio de possibilidades pela frente...
- Eu sei, disse ela. Mas nesse momento nada me soa aprazível...
Ela não disse mais nada por alguns minutos, mas acho que a deixei constrangida de continuar chorando. Quando tirou os óculos estava com o rosto inchado, mas as lágrimas tinham cessado. Comecei a lhe falar sobre minha filha e emplacamos uma conversa deliciosa. Incrível a capacidade de superação dos jovens. O choro e a alegria coexistem de forma surpreendente! Eu levaria dias para me recuperar se tivesse tido uma crise desse porte, e ela, em menos de cinco minutos havia me contado de todos os seus planos para o futuro, o nome dos filhos que teria e os seus ideais de felicidade. Já passavam das sete da noite quando ela disse que tinha bebido muito e precisava dormir. Eu quis acompanhá-la até o seu hotel, mas ela não permitiu, me avisou que sabia o caminho e estava bem. Convidei-a para jantar e depois de refletir um pouco ela recusou. Perguntei se poderíamos nos encontrar no dia seguinte, mas ela recusou prontamente.
- Amanhã eu estarei bem melhor, não precisarei de você e nem de ninguém. Tem coisas que são significativas por si só, não exigem continuidade. Adorei conhecê-lo...
Fiquei surpreso com a resposta e me despedi sem saber bem o que dizer. No dia seguinte lhe procurei na praia e ela estava lá, me cumprimentou com total indiferença e voltou para sua leitura. Nem sombras da moça frágil e desolada da tarde anterior. Nesse momento tudo fez sentido e só então eu entendi por que ela sofria tanto.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

CARTA DE AMOR PARA O MEU MELHOR AMIGO




Lulu, esses dias tenho pensado no quanto você é essencial para minha vida. Eu sempre achei isso e nunca fiz questão de esconder, mas na última quarta isso ficou claro novamente. Eu tive um dia super cansativo, passei e tarde estudando, mas conseguia ficar feliz só de lembrar iria te ver. E foi lindo... meus dias com você são sempre cheios de alegria, ainda que você insista em demonstrar mau humor!

Quanto mais o tempo passa, mais as coisas fluem (graças a Deus) e você permanece intacto nos seus sentimentos. Com você eu sempre dou conta, não tem dor, não tem conflito, é só felicidade! É claro que você já sabe, mas preciso reiterar que você amacia demais a minha dureza! Lembrar da sue existência deixa tudo insignificante...

Quando o mundo parece desmoronar você diz para eu me lembrar da fluência das coisas. Não tenho como agradecer por você aturar choros incontidos em público, suportar meu gênio excêntrico, aceitar que eu atravanco sua vida sentimental e revisar meus trabalhos acadêmicos! Se é verdade que toda mulher tem um “homem da sua vida” eu já desisti de encontrar, porque ele é você! Ainda que de um jeito meio torto! Obrigado por fazer a minha vida mais feliz, por me fazer acreditar que existem pessoas no mundo que possam ter tantas qualidades quanto você. Já vivemos tanta coisa juntos que eu já não sei os momentos mais significativos.

Sei que temos divergências enormes, políticas, ideológicas, religiosas, musicais, sentimentais, intelectuais...mas tudo isso é irrelevante perto do que sinto por você. Acho que posso morrer por agora só de ter tido a possibilidade de viver um amor tão sublime, tão cheio de entrega. É maravilhoso encontrar um homem que gosta de você indiferente do que você tem entre as pernas! Acho que nunca mais vou encontrar alguém assim. Minha cota de sorte eu já estourei quando te conheci! Obrigado por não me reduzir a um pedaço de carne e gostar dessa Barudinha toda torta e cabulosa!

Te amo querido!
Nat

sexta-feira, 22 de abril de 2011

ELA...

Ela se movimentava rapidamente. Parecia perdida. Andava sem rumo. Solitária. Às vezes recuava, refletia. Em alguns momentos olhava para si mesma, como se formulasse alguma questão.


Veio em minha direção, não parecia ter medo. A sensação que tive era que aceitava sua condição de forma natural. Não parecia de incomodar com porquês e nem esbravejar maldiçoes aos céus.

Durante horas fiquei a observá-la. Qual não foi meu espanto ao ver seres na mesma condição de minha companheira de existência. Tão perdidos quanto. Solitários da mesma maneira.

Ela já não estava mais sozinha, tinha companhia. O que me surpreendeu é que isso não parecia deixá-la mais feliz. Ela estava apática. Mesmo cercada por alguns pares, continuou sua trajetória, absorta em seu mundo. Indiferente a todos.

Tentei segurar tal pensamento, mas não pude contê-lo: “Como deve ser mais fácil ser formiga!”

Natália Barud

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS CORPORAIS

Quando era criança eu sonhava com sensações. Sonhava muito, dormindo e acordada. Gostava de pensar da duplicação de prazeres e de como sempre podia ser melhor. Eu imaginava como seria tomar sorvete com calda de chocolate no alto na montanha russa. Pensava que ir para a Disney, vestida com fantasia de Cinderela, ao lado da melhor amiga, devia ser a melhor coisa do mundo! E a vontade de voar sobre o mar? Eu passava horas conjeturando como seria essa sensação e de alguma forma, acredito que buscava a imensidão.

Nesses últimos dias em que retomei o meu contato com o mar, voltei a ter algumas memórias corporais da infância. O cheiro do mar me enjoava, assim como quando era criança. Achei estranho pensar que meu problema com cheiros e enjôos vem desde a infância. Os meus sonhos não cabem mais nos castelinhos de areia que eu fazia, mas nem por isso são melhores. Acho que o período da infância tem a capacidade de produzir nossas maiores inspirações imaginárias, acho que na fase adulta perdemos um pouco desse frescor. Vi-me desarmada ao perceber que não tinha armas contra a imensidão do mar. Quando eu era Barudinha tinha colher e baldinho e isso era o suficiente para eu me sentir protegida.

Pude observar algumas mudanças consideráveis entre eu (presente) e essa mocinha linguaruda da foto (passado). No entanto, a essência continua quase a mesma. Ainda tenho algumas armas para lutar contra o tédio da vida, algum desleixo com a estética, que me permite usar um cabelo tão desgrenhado quanto o dela, e uma vontade imensa de viver, ainda que vagando meio sem rumo, se equilibrando em inexperientes pernas.

Natália Barud

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

UM BARQUINHO PARA MINHA IRMÃ


Estou comovida com suas palavras e vejo que você já parte de uma grande e verdadeira reflexão: não existe felicidade plena. E eu concordo que mesmo sem a ilusão da felicidade é nossa função dar sentido as nossas existências, com ou sem horizonte de expectativa.

No entanto, acho que às vezes necessitamos mesmo é de nos perder. Para depois se encontrar, ou não. Andar sem horizonte é descortinar novos caminhos, é vivenciar o não vivido e se abrir para um mundo desconhecido. Eu tenho gostado nessa experiência, por mais dolorosa e estranha que possa parecer.

Saber o rumo do barco é navegar tranqüilo, sem surpresas e sem oscilações. Um barco a deriva é um mundo de possibilidades, pode ser a morte, como pode ser a vida esperando um novo significado. Cabe a cada um escolher o que mais lhe apetece e convidar as pessoas com quem quer navegar. Com o passar do tempo um horizonte distante há de nascer e conseguiremos dar (ainda que mal) algum sentido a vida. Somos bons nisso! Fazemos isso desde que nascemos...

domingo, 23 de janeiro de 2011

SEM HORIZONTE DE EXPECTATIVA


Nessa fase niilista e mais sem sentido que o normal, eu encontrei no Caio Fernando Abreu uma explicação para a descrença que tenho tido com a vida. Obviamente ainda tenho alguns dias felizes, mas o esforço tem sido tão grande que começo a questionar a real necessidade de estar bem. “Deixa arder”, é o que tenho dito nesses últimos dias. Que arda até a hora que a dor não possa mais ser suportada, que arda até a hora que não se sinta mais dor. É isso que o meu querido C.F.A descreve no seu texto “Os sobreviventes”, deixa arder porque não tem alternativa, deixa arder porque a vida é mesmo sem sentido.


OS SOBREVIVENTES (Para ler ao som de Ângela Ro-Ro)
Para Jane Araújo, a Magra

Sri Lanka, quem sabe? ela me pergunta, morena e ferina, e eu respondo por que não? mas inabalável ela continua: você pode pelo menos mandar cartões-postais de lá, para que as pessoas pensem nossa, como é que ele foi parar em Sri Lanka, que cara louco esse, hein, e morram de saudade, não é isso que te importa? Uma certa saudade, e você em Sri Lanka, bancando o Rimbaud, que nem foi tão longe, para que todos lamentem ai como ele era bonzinho e nós não lhe demos a dose suficiente de atenção para que ficasse aqui entre nós, palmeiras & abacaxis. Sem parar, abana-se com a capa do disco de Ângela enquanto fuma sem parar e bebe sem parar sua vodca nacional sem gelo nem limão. Quanto a mim, a voz tão rouca, fico por aqui mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha-de-centro em junco indiano que apóia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados. Mas tentamos tudo, eu digo, e ela diz que sim, claaaaaaaro, tentamos tudo, inclusive trept, porque tantos livros emprestados, tantos filmes vistos juntos, tantos pontos de vista sociopolíticos existenciais e bababá em comum só podiam era dar mesmo nisso: cama. Realmente tentamos, mas foi uma bosta Que foi que aconteceu, que foi meu deus que aconteceu, eu pensava depois acendendo um cigarro no outro e não queria lembrar, mas não me saía da cabeça o teu pau murcho e os bicos dos meus seios que nem sequer ficaram duros, pela primeira vez na vida, você disse, e eu acreditei, pela primeira vez na vida, eu disse, e não sei se você acreditou. Eu quero dizer que sim, que acreditei, mas ela não pára, tanto tesão mental espiritual moral existencial e nenhum físico, eu não queria aceitar que fosse isso: éramos diferentes, éramos melhores, éramos superiores, éramos escolhidos, éramos mais, éramos vagamente sagrados, mas no final das contas os bicos dos meus peitos não endureceram e o teu pau não levantou. Cultura demais mata o corpo da gente, cara, filmes demais, livros demais, palavras demais, só consegui te possuir me masturbando, tinha biblioteca de Alexandria separando nossos corpos, eu enfiava fundo o dedo na boceta noite após noite e pedia mete fundo, coração, explode junto comigo, me fode, depois virava de bruços e chorava no travesseiro, naquele tempo ainda tinha culpa nojo vergonha, mas agora tudo bem, o Relatório Hite liberou a punheta. Não que fosse amor de menos, você dizia depois, ao contrário, era amor demais, você acreditava mesmo nisso? naquele bar infecto onde costumávamos afogar nossas impotências em baldes de lirismo juvenil, imbecil, e eu disse não, meu bem, o que acontece é que como bons-intelectuais-pequeno-burgueses o teu negócio é homem e o meu é mulher, podíamos até formar um casal incrível, tipo aquela amante de Virginia Woolf, como era mesmo o nome da fanchona? Vita, isso, Vita Sackville-West e o veado do marido dela, ra não se erice, queridinho, não tenho nada contra veados não, me passa a vodca, o quê? e eu lá tenho grana para comprar wyborowas? não, não tenho nada contra lésbicas, não tenho nada contra decadentes em geral não tenho nada contra qualquer coisa que soe a uma tentativa. Eu peço um cigarro e ela me atira o maço na cara como quem joga um tijolo, ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, a velha angst, saco, mas ando, ando, mais de duas décadas de convívio cotidiano, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, ah não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz. Podia ter dado certo entre a gente, ou não, eu nem sei o que é dar certo, mas naquele tempo você ainda não tinha se decidido a dar o rabo nem eu a lamber boceta, ai que gracinha nossos livrinhos de Marx, depois Marcuse, depois Reich, depois Castafieda, depois Laing embaixo do braço, aqueles sonhos tolos colonizados nas cabecinhas idiotas, bolsas na Sorbonne, chás com Simone e Jean-Paul nos 50 em Paris, 60 em Londres ouvindo here comes the sun here comes the sun little darling, 70 em Nova York dançando disco-music no Studio 54,80 a gente aqui mastigando esta coisa porca sem conseguir engolir nem cuspir fora nem esquecer esse azedo na boca. Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê? não é plágio do Pessoa não, mas em cada canto do meu quarto tenho uma imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho, um pôster de Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso, tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma, você vai curtir os seus nativos em Sri Lanka depois me manda um cartão-postal contando qualquer coisa como ontem à noite, na beira do rio, deve haver uma porra de rio por lá, um rio lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na beira do rio, sem planejar nada, de repente, sabe, por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonada e olhos oblíquos que. Hein? claro que deve haver alguma espécie de dignidade nisso tudo, a questão é onde, não nesta cidade escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? ora não me venhas com autoconhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de cinqüenta ácidos, fiz seis anos de análise, já pirei de cl ín k., lembra? você me levava maçãs argentinas e fotonovelas italianas, Rossana Galli, Franco Andrei, Michela Roc, Sandro Moretti, eu te olhava entupida de mandrix e babava soluçando perdi minha alegria, anoiteci, roubaram minha esperança, enquanto você, solidário & positivo, apertava meu ombro com sua mão apesar de tudo viril repetindo reage, companheira, reage, a causa precisa dessa tua cabecinha privilegiada, teu potencial criativo, tua lucidez libertária e bababá bababá. As pessoas se transformavam em cadáveres decompostos à minha frente, minha pele era triste e suja, as noites não terminavam nunca, ninguém me tocava, mas eu reagi, despirei, voltei a isso que dizem que é o normal, e cadê a causa, meu, cadê a luta, cadê o po-ten-ci-al criativo? Mato, não mato, atordôo minha sede com sapatinhas do Ferro’s Bar ou encho a cara sozinha aos sábados esperando o telefone tocar, e nunca toca, neste apartamento que pago com o suor do po-ten-ci-al criativo da bunda que dou oito horas diárias para aquela multinacional fodida. Mas, eu quero dizer, e ela me corta mansa, claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodca, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe, meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, gin-seng e lexotan, depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a banchá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o cvv às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas tipo preciso-tanto-uma-razão-para-viver-e-sei-que-essa-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-bababá e me lamurio até o sol pintar atrás daqueles edifícios sinistros, mas não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma? Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia, ela pára e pede, preciso tanto tanto tanto, cara, eles não me permitiram ser a coisa boa que eu era, eu então estendo o braço e ela fica subitamente pequenina apertada contra meu peito, perguntando se está mesmo muito feia e meio puta e velha demais e completamente bêbada, eu não tinha estas marcas em volta dos olhos, eu não tinha estes vincos em torno da boca, eu não tinha este jeito de sapatão cansado, e eu repito que não, que nada, que ela está linda assim, desgrenhada e viva, ela pede que eu coloque uma música e escolho ao acaso o Noturno número dois em mi bemol de Chopin, eu quero deixá-la assim, dormindo no escuro sobre este sofá amarelo, ao lado das papoulas quase murchas, embalada pelo piano remoto como uma canção de ninar, mas ela se contrai violenta e pede que eu ponha Ângela outra vez, e eu viro o disco, amor meu grande amor, caminhamos tontos até o banheiro onde sustento sua cabeça para que vomite, e sem querer vomito junto, ao mesmo tempo, os dois abraçados, fragmentos azedos sobre as línguas misturadas, mas ela puxa a descarga e vai me empurrando para a sala, para a porta, pedindo que me vá, e me expulsa para o corredor repetindo não se esqueça então de me mandar aquele cartão de Sri Lanka, aquele rio lodoso, aquela tez azeitonada, que aconteça alguma coisa bem bonita com você, ela diz, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando. A chave gira na porta. Preciso me apoiar contra a parede para não cair. Por trás da madeira, misturada ao piano e à voz rouca de Ângela, nem que eu rastejasse até o Leblon, consigo ouvi-la repetindo e repetindo que tudo vai bem, tudo continua bem, tudo muito bem, tudo bem. Axé, axé, axé! eu digo e insisto até que o elevador chegue axé, axé, axé, odara!