quarta-feira, 27 de julho de 2011

A MOÇA DE BIQUÍNI AZUL

Eram duas da tarde quando a moça de biquíni azul se colocou a chorar desesperadamente. Parecia que ela segurava o choro desde cedo, pois logo que foi deixada pelo casal que lhe acompanhava ela caiu em prantos. Fez algumas ligações e chorava ainda mais. Em alguns momentos dava risadas soltas em meio ao choro, como quem sabe que o sofrimento é sempre passageiro. Quis me aproximar várias vezes, mas tive medo da sua reação. Por vários minutos a olhei intensamente como se pudesse ler em suas lágrimas os motivos que lhe afligiam. A principio pensei que fosse a morte de em ente querido, devido ao seu desespero. Ou ela podia ter acabado de perder seu emprego e estava desesperada em como pagaria suas contas. Pensei que poderia ser também o fim de algum relacionamento, mulheres nessa idade costumam chorar por essas coisas. Por algum motivo pressenti que não era por isso...talvez porque esse fosse o meu desejo. Ela tinha um livro nas mãos, no qual lia e aumentava o fluxo de suas lágrimas. Fiquei curioso para ver a capa, mas ela o segurava em seu colo e impedia que ele subisse ao alcance de meus olhos. Depois de quase uma hora consecutiva de pranto eu comecei a ter pena de todo esse sofrimento e tomei coragem de me aproximar. Eu comecei dizendo que tinha uma filha da sua idade e que era muito natural ela ter essa mesma atitude. Confesso ser uma grande mentira, já que minha filha estava sempre muito bem, mas achei que assim era um bom meio para que ela pudesse me escutar. Perguntei o motivo do seu choro e ela mentiu, obviamente.
- Não é por nada. Às vezes fico melancólica, mas nunca tenho um motivo concreto. Pode ficar tranquilo, estou bem.
Depois disso virou um copo de cheio de caipirinha e voltou para o seu mundo, deixando bem claro que eu não era bem vindo. Fiquei pensando que bebida em excesso, solidão e mar podem se tornar um coquetel depressivo perigoso. Por mais que eu tentasse, ela se mostrava indiferente a qualquer contato, demonstrando muito mais interesse em seu livro, seu choro e sua bebida. Tomei coragem e disse:
- Olha, não sei por que motivo você está chorando, mas queria dizer que você é muito bonita para ficar desse jeito. Você tem juventude e o mundo cheio de possibilidades pela frente...
- Eu sei, disse ela. Mas nesse momento nada me soa aprazível...
Ela não disse mais nada por alguns minutos, mas acho que a deixei constrangida de continuar chorando. Quando tirou os óculos estava com o rosto inchado, mas as lágrimas tinham cessado. Comecei a lhe falar sobre minha filha e emplacamos uma conversa deliciosa. Incrível a capacidade de superação dos jovens. O choro e a alegria coexistem de forma surpreendente! Eu levaria dias para me recuperar se tivesse tido uma crise desse porte, e ela, em menos de cinco minutos havia me contado de todos os seus planos para o futuro, o nome dos filhos que teria e os seus ideais de felicidade. Já passavam das sete da noite quando ela disse que tinha bebido muito e precisava dormir. Eu quis acompanhá-la até o seu hotel, mas ela não permitiu, me avisou que sabia o caminho e estava bem. Convidei-a para jantar e depois de refletir um pouco ela recusou. Perguntei se poderíamos nos encontrar no dia seguinte, mas ela recusou prontamente.
- Amanhã eu estarei bem melhor, não precisarei de você e nem de ninguém. Tem coisas que são significativas por si só, não exigem continuidade. Adorei conhecê-lo...
Fiquei surpreso com a resposta e me despedi sem saber bem o que dizer. No dia seguinte lhe procurei na praia e ela estava lá, me cumprimentou com total indiferença e voltou para sua leitura. Nem sombras da moça frágil e desolada da tarde anterior. Nesse momento tudo fez sentido e só então eu entendi por que ela sofria tanto.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

CARTA DE AMOR PARA O MEU MELHOR AMIGO




Lulu, esses dias tenho pensado no quanto você é essencial para minha vida. Eu sempre achei isso e nunca fiz questão de esconder, mas na última quarta isso ficou claro novamente. Eu tive um dia super cansativo, passei e tarde estudando, mas conseguia ficar feliz só de lembrar iria te ver. E foi lindo... meus dias com você são sempre cheios de alegria, ainda que você insista em demonstrar mau humor!

Quanto mais o tempo passa, mais as coisas fluem (graças a Deus) e você permanece intacto nos seus sentimentos. Com você eu sempre dou conta, não tem dor, não tem conflito, é só felicidade! É claro que você já sabe, mas preciso reiterar que você amacia demais a minha dureza! Lembrar da sue existência deixa tudo insignificante...

Quando o mundo parece desmoronar você diz para eu me lembrar da fluência das coisas. Não tenho como agradecer por você aturar choros incontidos em público, suportar meu gênio excêntrico, aceitar que eu atravanco sua vida sentimental e revisar meus trabalhos acadêmicos! Se é verdade que toda mulher tem um “homem da sua vida” eu já desisti de encontrar, porque ele é você! Ainda que de um jeito meio torto! Obrigado por fazer a minha vida mais feliz, por me fazer acreditar que existem pessoas no mundo que possam ter tantas qualidades quanto você. Já vivemos tanta coisa juntos que eu já não sei os momentos mais significativos.

Sei que temos divergências enormes, políticas, ideológicas, religiosas, musicais, sentimentais, intelectuais...mas tudo isso é irrelevante perto do que sinto por você. Acho que posso morrer por agora só de ter tido a possibilidade de viver um amor tão sublime, tão cheio de entrega. É maravilhoso encontrar um homem que gosta de você indiferente do que você tem entre as pernas! Acho que nunca mais vou encontrar alguém assim. Minha cota de sorte eu já estourei quando te conheci! Obrigado por não me reduzir a um pedaço de carne e gostar dessa Barudinha toda torta e cabulosa!

Te amo querido!
Nat

sexta-feira, 22 de abril de 2011

ELA...

Ela se movimentava rapidamente. Parecia perdida. Andava sem rumo. Solitária. Às vezes recuava, refletia. Em alguns momentos olhava para si mesma, como se formulasse alguma questão.


Veio em minha direção, não parecia ter medo. A sensação que tive era que aceitava sua condição de forma natural. Não parecia de incomodar com porquês e nem esbravejar maldiçoes aos céus.

Durante horas fiquei a observá-la. Qual não foi meu espanto ao ver seres na mesma condição de minha companheira de existência. Tão perdidos quanto. Solitários da mesma maneira.

Ela já não estava mais sozinha, tinha companhia. O que me surpreendeu é que isso não parecia deixá-la mais feliz. Ela estava apática. Mesmo cercada por alguns pares, continuou sua trajetória, absorta em seu mundo. Indiferente a todos.

Tentei segurar tal pensamento, mas não pude contê-lo: “Como deve ser mais fácil ser formiga!”

Natália Barud

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS CORPORAIS

Quando era criança eu sonhava com sensações. Sonhava muito, dormindo e acordada. Gostava de pensar da duplicação de prazeres e de como sempre podia ser melhor. Eu imaginava como seria tomar sorvete com calda de chocolate no alto na montanha russa. Pensava que ir para a Disney, vestida com fantasia de Cinderela, ao lado da melhor amiga, devia ser a melhor coisa do mundo! E a vontade de voar sobre o mar? Eu passava horas conjeturando como seria essa sensação e de alguma forma, acredito que buscava a imensidão.

Nesses últimos dias em que retomei o meu contato com o mar, voltei a ter algumas memórias corporais da infância. O cheiro do mar me enjoava, assim como quando era criança. Achei estranho pensar que meu problema com cheiros e enjôos vem desde a infância. Os meus sonhos não cabem mais nos castelinhos de areia que eu fazia, mas nem por isso são melhores. Acho que o período da infância tem a capacidade de produzir nossas maiores inspirações imaginárias, acho que na fase adulta perdemos um pouco desse frescor. Vi-me desarmada ao perceber que não tinha armas contra a imensidão do mar. Quando eu era Barudinha tinha colher e baldinho e isso era o suficiente para eu me sentir protegida.

Pude observar algumas mudanças consideráveis entre eu (presente) e essa mocinha linguaruda da foto (passado). No entanto, a essência continua quase a mesma. Ainda tenho algumas armas para lutar contra o tédio da vida, algum desleixo com a estética, que me permite usar um cabelo tão desgrenhado quanto o dela, e uma vontade imensa de viver, ainda que vagando meio sem rumo, se equilibrando em inexperientes pernas.

Natália Barud

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

UM BARQUINHO PARA MINHA IRMÃ


Estou comovida com suas palavras e vejo que você já parte de uma grande e verdadeira reflexão: não existe felicidade plena. E eu concordo que mesmo sem a ilusão da felicidade é nossa função dar sentido as nossas existências, com ou sem horizonte de expectativa.

No entanto, acho que às vezes necessitamos mesmo é de nos perder. Para depois se encontrar, ou não. Andar sem horizonte é descortinar novos caminhos, é vivenciar o não vivido e se abrir para um mundo desconhecido. Eu tenho gostado nessa experiência, por mais dolorosa e estranha que possa parecer.

Saber o rumo do barco é navegar tranqüilo, sem surpresas e sem oscilações. Um barco a deriva é um mundo de possibilidades, pode ser a morte, como pode ser a vida esperando um novo significado. Cabe a cada um escolher o que mais lhe apetece e convidar as pessoas com quem quer navegar. Com o passar do tempo um horizonte distante há de nascer e conseguiremos dar (ainda que mal) algum sentido a vida. Somos bons nisso! Fazemos isso desde que nascemos...

domingo, 23 de janeiro de 2011

SEM HORIZONTE DE EXPECTATIVA


Nessa fase niilista e mais sem sentido que o normal, eu encontrei no Caio Fernando Abreu uma explicação para a descrença que tenho tido com a vida. Obviamente ainda tenho alguns dias felizes, mas o esforço tem sido tão grande que começo a questionar a real necessidade de estar bem. “Deixa arder”, é o que tenho dito nesses últimos dias. Que arda até a hora que a dor não possa mais ser suportada, que arda até a hora que não se sinta mais dor. É isso que o meu querido C.F.A descreve no seu texto “Os sobreviventes”, deixa arder porque não tem alternativa, deixa arder porque a vida é mesmo sem sentido.


OS SOBREVIVENTES (Para ler ao som de Ângela Ro-Ro)
Para Jane Araújo, a Magra

Sri Lanka, quem sabe? ela me pergunta, morena e ferina, e eu respondo por que não? mas inabalável ela continua: você pode pelo menos mandar cartões-postais de lá, para que as pessoas pensem nossa, como é que ele foi parar em Sri Lanka, que cara louco esse, hein, e morram de saudade, não é isso que te importa? Uma certa saudade, e você em Sri Lanka, bancando o Rimbaud, que nem foi tão longe, para que todos lamentem ai como ele era bonzinho e nós não lhe demos a dose suficiente de atenção para que ficasse aqui entre nós, palmeiras & abacaxis. Sem parar, abana-se com a capa do disco de Ângela enquanto fuma sem parar e bebe sem parar sua vodca nacional sem gelo nem limão. Quanto a mim, a voz tão rouca, fico por aqui mesmo comparecendo a atos públicos, pichando muros contra usinas nucleares, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda enquanto seguro aquele maldito emprego de oito horas diárias para poder pagar essa poltrona de couro autêntico onde neste exato momento vossa reverendíssima assenta sua preciosa bunda e essa exótica mesinha-de-centro em junco indiano que apóia nossos fatigados pés descalços ao fim de mais outra semana de batalhas inúteis, fantasias escapistas, maus orgasmos e crediários atrasados. Mas tentamos tudo, eu digo, e ela diz que sim, claaaaaaaro, tentamos tudo, inclusive trept, porque tantos livros emprestados, tantos filmes vistos juntos, tantos pontos de vista sociopolíticos existenciais e bababá em comum só podiam era dar mesmo nisso: cama. Realmente tentamos, mas foi uma bosta Que foi que aconteceu, que foi meu deus que aconteceu, eu pensava depois acendendo um cigarro no outro e não queria lembrar, mas não me saía da cabeça o teu pau murcho e os bicos dos meus seios que nem sequer ficaram duros, pela primeira vez na vida, você disse, e eu acreditei, pela primeira vez na vida, eu disse, e não sei se você acreditou. Eu quero dizer que sim, que acreditei, mas ela não pára, tanto tesão mental espiritual moral existencial e nenhum físico, eu não queria aceitar que fosse isso: éramos diferentes, éramos melhores, éramos superiores, éramos escolhidos, éramos mais, éramos vagamente sagrados, mas no final das contas os bicos dos meus peitos não endureceram e o teu pau não levantou. Cultura demais mata o corpo da gente, cara, filmes demais, livros demais, palavras demais, só consegui te possuir me masturbando, tinha biblioteca de Alexandria separando nossos corpos, eu enfiava fundo o dedo na boceta noite após noite e pedia mete fundo, coração, explode junto comigo, me fode, depois virava de bruços e chorava no travesseiro, naquele tempo ainda tinha culpa nojo vergonha, mas agora tudo bem, o Relatório Hite liberou a punheta. Não que fosse amor de menos, você dizia depois, ao contrário, era amor demais, você acreditava mesmo nisso? naquele bar infecto onde costumávamos afogar nossas impotências em baldes de lirismo juvenil, imbecil, e eu disse não, meu bem, o que acontece é que como bons-intelectuais-pequeno-burgueses o teu negócio é homem e o meu é mulher, podíamos até formar um casal incrível, tipo aquela amante de Virginia Woolf, como era mesmo o nome da fanchona? Vita, isso, Vita Sackville-West e o veado do marido dela, ra não se erice, queridinho, não tenho nada contra veados não, me passa a vodca, o quê? e eu lá tenho grana para comprar wyborowas? não, não tenho nada contra lésbicas, não tenho nada contra decadentes em geral não tenho nada contra qualquer coisa que soe a uma tentativa. Eu peço um cigarro e ela me atira o maço na cara como quem joga um tijolo, ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, a velha angst, saco, mas ando, ando, mais de duas décadas de convívio cotidiano, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, ah não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, eu nunca tive porra de ideal nenhum, eu só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista capitalista, eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz. Podia ter dado certo entre a gente, ou não, eu nem sei o que é dar certo, mas naquele tempo você ainda não tinha se decidido a dar o rabo nem eu a lamber boceta, ai que gracinha nossos livrinhos de Marx, depois Marcuse, depois Reich, depois Castafieda, depois Laing embaixo do braço, aqueles sonhos tolos colonizados nas cabecinhas idiotas, bolsas na Sorbonne, chás com Simone e Jean-Paul nos 50 em Paris, 60 em Londres ouvindo here comes the sun here comes the sun little darling, 70 em Nova York dançando disco-music no Studio 54,80 a gente aqui mastigando esta coisa porca sem conseguir engolir nem cuspir fora nem esquecer esse azedo na boca. Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora faço o quê? não é plágio do Pessoa não, mas em cada canto do meu quarto tenho uma imagem de Buda, uma de mãe Oxum, outra de Jesusinho, um pôster de Freud, às vezes acendo vela, faço reza, queimo incenso, tomo banho de arruda, jogo sal grosso nos cantos, não te peço solução nenhuma, você vai curtir os seus nativos em Sri Lanka depois me manda um cartão-postal contando qualquer coisa como ontem à noite, na beira do rio, deve haver uma porra de rio por lá, um rio lodoso, cheio de juncos sombrios, mas ontem na beira do rio, sem planejar nada, de repente, sabe, por acaso, encontrei um rapaz de tez azeitonada e olhos oblíquos que. Hein? claro que deve haver alguma espécie de dignidade nisso tudo, a questão é onde, não nesta cidade escura, não neste planeta podre e pobre, dentro de mim? ora não me venhas com autoconhecimentos-redentores, já sei tudo de mim, tomei mais de cinqüenta ácidos, fiz seis anos de análise, já pirei de cl ín k., lembra? você me levava maçãs argentinas e fotonovelas italianas, Rossana Galli, Franco Andrei, Michela Roc, Sandro Moretti, eu te olhava entupida de mandrix e babava soluçando perdi minha alegria, anoiteci, roubaram minha esperança, enquanto você, solidário & positivo, apertava meu ombro com sua mão apesar de tudo viril repetindo reage, companheira, reage, a causa precisa dessa tua cabecinha privilegiada, teu potencial criativo, tua lucidez libertária e bababá bababá. As pessoas se transformavam em cadáveres decompostos à minha frente, minha pele era triste e suja, as noites não terminavam nunca, ninguém me tocava, mas eu reagi, despirei, voltei a isso que dizem que é o normal, e cadê a causa, meu, cadê a luta, cadê o po-ten-ci-al criativo? Mato, não mato, atordôo minha sede com sapatinhas do Ferro’s Bar ou encho a cara sozinha aos sábados esperando o telefone tocar, e nunca toca, neste apartamento que pago com o suor do po-ten-ci-al criativo da bunda que dou oito horas diárias para aquela multinacional fodida. Mas, eu quero dizer, e ela me corta mansa, claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodca, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe, meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, gin-seng e lexotan, depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a banchá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o cvv às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas tipo preciso-tanto-uma-razão-para-viver-e-sei-que-essa-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-bababá e me lamurio até o sol pintar atrás daqueles edifícios sinistros, mas não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma? Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia, ela pára e pede, preciso tanto tanto tanto, cara, eles não me permitiram ser a coisa boa que eu era, eu então estendo o braço e ela fica subitamente pequenina apertada contra meu peito, perguntando se está mesmo muito feia e meio puta e velha demais e completamente bêbada, eu não tinha estas marcas em volta dos olhos, eu não tinha estes vincos em torno da boca, eu não tinha este jeito de sapatão cansado, e eu repito que não, que nada, que ela está linda assim, desgrenhada e viva, ela pede que eu coloque uma música e escolho ao acaso o Noturno número dois em mi bemol de Chopin, eu quero deixá-la assim, dormindo no escuro sobre este sofá amarelo, ao lado das papoulas quase murchas, embalada pelo piano remoto como uma canção de ninar, mas ela se contrai violenta e pede que eu ponha Ângela outra vez, e eu viro o disco, amor meu grande amor, caminhamos tontos até o banheiro onde sustento sua cabeça para que vomite, e sem querer vomito junto, ao mesmo tempo, os dois abraçados, fragmentos azedos sobre as línguas misturadas, mas ela puxa a descarga e vai me empurrando para a sala, para a porta, pedindo que me vá, e me expulsa para o corredor repetindo não se esqueça então de me mandar aquele cartão de Sri Lanka, aquele rio lodoso, aquela tez azeitonada, que aconteça alguma coisa bem bonita com você, ela diz, te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja também uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravilhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegando. A chave gira na porta. Preciso me apoiar contra a parede para não cair. Por trás da madeira, misturada ao piano e à voz rouca de Ângela, nem que eu rastejasse até o Leblon, consigo ouvi-la repetindo e repetindo que tudo vai bem, tudo continua bem, tudo muito bem, tudo bem. Axé, axé, axé! eu digo e insisto até que o elevador chegue axé, axé, axé, odara!

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

RETROSPECTIVA BARUDIANISTA


O que dizer de 2010? Em primeiro lugar afirmo ter sido um ano Hobsbawniano, de muitos extremos. Alguns momentos de felicidade absoluta, outros de tristeza colossal! O mais surpreendente é que toda essa mistura de sentimentos conviveu de forma “pacífica”, com pequenas oscilações entre guerra e paz.

Em alguns instantes consegui me esquecer das guerrilhas cotidianas. Meu coração de gelo foi derretido por homens e mulheres, que acabaram por mudar minha percepção da vida e da arte. O que dizer de Andy Warhol? Sua superficialidade foi tão intensa que minimizou minha concretude. Rodin se tornou abstrato perto dele! Lindo, mas abstrato...

Camile Claudel se faz mais humana com suas ausências. Suas palavras me tocaram tanto quando suas esculturas. Vi o mundo onírico de Marc Chagall, mas não consegui entrar por inteiro, sonhei pequeno e com a pouca fé que me é particular. Woody Allen continua me encantando, é como se fossemos conhecidos de longa data, a cada filme é um novo reencontro. Acabei de distanciando do Almodóvar, mas nesse ano que se inicia tentarei resgatar nossa “relação”.

Gustavo Dudamel se tornou meu maestro querido não só por seus cabelos cacheados e sua qualidade artística, e sim por ser um claro exemplo do sucesso do "El Sistema," importante projeto musical venezuelano. New Orleans Jazz me fez chorar algumas vezes, embora nada tenha superado os choros incontidos do meu “Último Romance”. Madeleine Peyroux embalou crises depressivas, mas Piaf teve seu lugar quando me pedia para não ser deixada.

Em âmbito nacional me apaixonei por Thiago Pethit. Resgatei o Otto para minha vida e dele vi um show inesquecível, em um dia péssimo! Cantei até chorar: “Aqui é festa amor. E há tristeza em minha vida”, era a nítida a sensação de que ele cantava para mim. Tive ainda minha fase Graveola , e os tênues fios que me ligavam a banda ficaram em prantos quando a ruptura se deu.

No teatro, é importante citar "Os fofos encenam" que com o espetáculo “Memória da Cana” levaram Nelson Rodrigues para o sertão pernambucano. Teve o "Oficina Uzina Uzona" na Barragem Santa Lucia, dividindo minha vida em duas! Suspirei, gemi e amei! No “Banquete”, não comi e nem fui comida, mas isso não fez nenhuma diferença. "O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança", já diria Gabriel Garcia Marques.

Falando nele, não posso negar a beleza de "Memórias de Minhas Putas Tristes". Mas o que esperar de alguém que escreveu "Cem anos de solidão?". Das minhas paixões literárias que permaneceram eu cito Saramago, Diderot, Caio Fernando Abreu e Platão. Das paixões recentes e até então desconhecidas eu coloco Nabocov, Huxley, Gilberto Freyre e Koselleck.

No campo da vida vivida e não lida, é importante lembrar que foi ano da Copa do Mundo! O Brasil não ganhou! Mas com meu patriotismo abalado eu não consegui sofrer. O que eu consegui foi tomar o maior porre da minha vida, com uma mistura louca de regime e caipirinha. De modo geral, a Copa passou despercebida por minha vida, sem fazer muita diferença.

Diferença fez o Plínio alcançando um milhão de votos e a Dilma ganhando a eleição! Teremos a continuidade dos projetos do governo anterior e um olhar direcionado também para as classes desfavorecidas. O “socialista” Obama não vai bem, para minha tristeza. Mas Julian Assange acabou de ser solto e deve continuar causando pânico com os documentos divulgados no portal WikiLeaks. Pensei em lhe enviar uma “cartinha”, lhe pedindo ajuda no processo de abertura dos arquivos da Ditadura Brasileira, talvez ele possa dar alguns conselhos aos seus novos “coleguinhas” brasileiros.

Nesse ano fiz novos amigos e reguei amizades antigas. Ocorreram uniões cósmicas, médicas, sólidas, artísticas, étnicas, superficiais, vampirísticas, espirituais e etílicas. Simplesmente porque eu estou viva, simplesmente porque vou morrer.

Tendo por base o ano de 2010, eu ainda mantenho a frase que sempre desejei estampar em minha lápide, “aqui jaz alguém que amou a vida”, mesmo que vez em quando eu a tenha odiado com todas as minhas energias. Entendi que todos os meus desejos de morte ocorrem devido às “ausências” desconhecidas que povoam minha mente. É a minha eterna espera por Godot! Percebi a instabilidade de minha vida e minha instabilidade para com ela. Vamos nos provocando, nos perseguindo e tentando colocar alguma ordem no caos.

Também o caos foi um fiel companheiro durante esse ano. A falta de ordem proporcionou momentos sublimes. Teve Praia da Estação, lavagem da prefeitura, blocos de carnaval, despedida pra Portugal, choro incontido, riso descontrolado, mestrado que não passei, decadência, as bacantes, monografia, mais decadência, show da chuva, cafés da cantina, bebedeiras no Geraldinho, formatura, nascimento da Isabel, Transborda que não transbordou, duelo no viaduto, FIT, Mineirão, carro batido e Stone.

Ainda não tenho distância temporal para descrever 2010 com precisão, mas indico algumas possibilidades de interpretação: arrebatador, depressivo, cabuloso, feliz, psicodélico, decadente, interessante, surpreendente.

Deixo aqui registrado algumas pessoas que compartilharam momentos indescritíveis (em todos os sentidos) durante esse ano que chegou ao fim: Lucas, Zé Celso, Susan, Rafaela, Acauaca, Rayanne, Diet, Gilmar, Dione, Gustavo, Dri, Henrique, Lulu, Veriano, Camila, Rose, Paul, Deivison, André, Celo, Bia, Claudão, Pri, Castor, Lena, Carla, Isabel, Rodrigo, Nosferatu, Fabiano, Ana, João, Paulo, Arquiteto, Cidão, Tassi, Jacque, Fabrício, Virgínia, Dênio, Chapoca, Moisés,Mariana,Verônica,Alan, Leo Santiago...

Alguns lugares também não podem ser esquecidos: Praça da Estação, Barragem Santa Lucia, Maleta, Mercado Central, Serra, Sagrada Família, Botafogo, Coração Eucarístico, Perdizes, Funcionários, Postinhos de BH, Jaboticatubas, Lagoa Várzea das Flores, Sabará, Barro Preto, baixo Centro...

Com certeza me esqueci de várias pessoas, diversos lugares e de tantos outros momentos marcantes. Perdoem-me! Mas ando muito empenhada em lembrar que a vida é breve, a morte é só uma questão de tempo e que uma vida bem vivida exige uma dose de loucura e intensidade. Obrigado a todos que fizeram da minha vida mais intensa, mais vivida e mais surpreendente! Que façamos mais e melhor em 2011!
Abraços!
Barud