terça-feira, 17 de junho de 2008

SALMO 91 - UM RESGATE AO TEATRO ENGAJADO

Salmo 91
Adaptação do romance Estação Carandiru, de Drauzio Varella, o espetáculo enfoca personagens como Dadá, Nego-Preto, Charuto, Zizi Marli, o Bolacha, o Veio Valdo, Edelso, o Zé da Casa Verde e suas duas mulheres, e Veronique. Todos estão sujeitos às normas de controle de comportamento vigentes na casa de detenção e a um rígido código penal não escrito, criado pela própria população carcerária. Em dez monólogos, a peça mostra crônicas fascinantes sobre formas de viver e morrer frente à violência, ao descaso ou ao confinamento. (FIT-BH)



O Salmo 91 resolveu um conflito que vinha me atormentando há algum tempo. Depois que a história entrou minha vida, me tornei uma"pseudo-socialista” e que em meu governo as pessoas necessitavam ter acesso apenas à moradia, comida, saúde, educação. O teatro não tinha muito espaço e passei a questionar o porquê do mesmo, visto que seu sentido estava se perdendo num mundo de tantas atrocidades.
Apesar de nunca ter deixado de acreditar no poder do teatro, eu começava de fato a questionar a sua real importância. Começou a não fazer sentido o teatro ser conhecido por seu caráter social e nada fazer para a transformação da sociedade contemporânea. Na busca por essas respostas e um pouco descrente de encontrá-las em dias pós-modernos e preenchidos de niilismo como os que vivemos, resgato a história e dou inicio a uma pesquisa sobre o espetáculo o "Liberdade liberdade" de 1965 (um espetáculo manifesto que possui fragmentos da literatura universal dedicados ao tema da liberdade, que tinha como objetivo apontar como a nossa liberdade começada a ser extirpada) e nessa pesquisa encontrei muito do “teatro” que buscava, um teatro exercendo papel político, engajado e envolvido não só com os problemas subjetivos, mas também com as problemas objetivos e "mundanos".
O teatro passava a denunciar, criticar e expor todos os dramas sociais do país, correndo riscos reais e levando as pessoas à reflexão. Fiquei extremamente encantada com esse período. Comecei a refletir se a ditadura não teve participação direta em alguns bons momentos de nossa dramaturgia (rapidamente isso saiu de minha cabeça, mas tenho que confessar que cogitei essa possibilidade) . À medida que ia encontrando essas respostas me invadia certa nostalgia de saber que isso ocorreu em um passado um distante (43 anos) e que hoje o teatro fazia pouco estardalhaço em relação a quase tudo.
Eis que me surge o Salmo 91, em momento de total desilusão e descrente do poder social do teatro assisto a esse espetáculo e encontro boa parte das respostas que procurava. O teatro não precisa e não vai resolver os problemas do mundo, sua função é e sempre será denunciá-los, apontá-los e a partir disso propor possíveis reflexões.
Em meio a tantas montagens comercias ainda conseguimos encontrar pessoas dispostas a retratar a vida dos oprimidos, dando voz a parte obscura da sociedade ( que se tornou "obscura" não por escolha, mas pelo sistema capitalista que induz a qualquer ser humano sem o mínimo de instrução (ou com nível elevado) a cometer qualquer crime.
Assistir ao Salmo 91 foi motivo de grande alivio e felicidade, principalmente ao constatar que o teatro não perdeu a sua função primordial. A peça resolveu conflitos de um ser humano que apesar de acreditar no teatro começava a duvidar o porquê da sua existência.
Percebi que o teatro ainda consegue ultrapassar os limites do palco e fazer através de um espetáculo motivo de protestos e conseqüentemente reflexão. É emocionante ver como o teatro ainda consegue mobilizar pessoas para o debate de questões contundentes. Em uma das criticas o autor afirma que "O teatro volta novamente a provocar” e são essas provocações que me movem e me fazem acreditar que mesmo com tudo e apesar de tudo, a arte ainda tem função primordial dentro de nossa sociedade pós-moderna.
Não bastasse o conteúdo político e engajado do espetáculo, não podemos esquecer de seu conteúdo artístico, que sobressai com o mesmo nível que qualidade de seu engajamento. O palco conta com uma escassez de recursos proposital, que possibilita um trabalho focado na força do ator, onde a palavra faz-se essencial. A direção de Gabriel Vilela é delicada e sem exageros, quase uma contradição ao falar de tema tão agressivo. Os personagens são bem construídos, tanto pelo trabalho individual de cada ator, quanto pelo impecável trabalho do dramaturgo Did Carneiro Neto, que captou em maestria os personagens do livro “Estação Carandiru” de Drauzio Varela.
Podemos assegurar que Salmo 91 deixa registrado seu nome na história do Teatro Brasileiro, seja por sua qualidade artística, seja por seu caráter político, mas principalmente por dar ao teatro um papel de protagonista dentro da sociedade, onde cabe a ele mostrar, denunciar, importunar, indagar, e principalmente: provocar.

Um comentário:

Lucas Souto disse...

Adoros comentários imparciais... adorei o seu...

[depois eu posto um comentário decente... =D]

Bjs